quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Audiência pública Adoção: Uma medida de proteção integral a ser defendida no ECA

Entidades e especialistas dizem não ao PLS 394 (Estatuto da Adoção) e pressão já apresenta resultados



Adoção de crianças e adolescentes é pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criar nova legislação desrespeitando os princípios conquistados e assegurados pelo ECA é retrocesso. Este é o entendimento das entidades, especialistas e público que participaram da audiência pública “Adoção: Uma medida de proteção integral a ser defendida no ECA, nesta terça-feira (06/02), na Assembleia Legislativa de São Paulo. Organizado pela deputada estadual Beth Sahão (PT) com apoio do Movimento Pela Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, o evento teve como objetivo rechaçar o Projeto de Lei do Senado 394/2017, que institui o Estatuto da Adoção. Como membro do Movimento, a AASP Brasil participou da audiência representada pela vice-presidente, Cintia Aparecida da Silva, pela segunda tesoureira, Fátima Zanoni Mastelini, por Elisabete Borgianni, do Conselho de Especialista e por associados.

“Fiquei muito preocupada quando soube do trâmite deste projeto, de autoria do senador Randofe Rodrigues (Rede). Fiquei surpresa de este PLS ter vindo de um senador com um perfil tão progressista”, afirmou a deputada justificando a organização da audiência pública. A surpresa mencionada pela parlamentar foi sensação geral. Não apenas pela autoria, mas também pela relatoria do projeto ter sido assumida por um colega de partido de Beth: o senador petista Paulo Paim. Partido historicamente conhecido pelas lutas progressistas em defesa dos direitos humanos, muitos estranham que um representante do PT venha apoiando este projeto tido como um dos mais retrógrados na área da infância e juventude dos últimos anos.

Privatização dos cuidados
Uma das falas mais marcantes do evento foi a do magistrado e vice-coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, Reinaldo Cintra de Carvalho. “Estamos aqui para discutir a necessidade ou não de um Estatuto da Adoção. É uma medida absurda que visa na sua essência a privatização da adoção e dos cuidados da infância e juventude e que de forma transversa quer transformar a adoção em política pública, esquecendo que a adoção é consequência da falta de políticas públicas na maioria das vezes”, expôs. “Nossas crianças e adolescentes que são afastados das suas famílias são afastados, na maioria das vezes, porque o Estado não teve a capacidade de cuidar destas famílias para que elas pudessem cuidar de seus filhos”, alegou. Para o juiz essa alteração na legislação facilitaria o papel do poder público, uma vez que, é mais barato colocar as crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade do que garantir as condições necessárias para seu convívio na família biológica. 

Aldaiza Sposati, doutora em Serviço Social e ex-secretária municipal da Assistência Social (2002-2004), também disse estar perplexa com a apresentação de tal projeto. “Como parlamentares conhecidos de um campo progressista apresentam proposta tão desconexa com a luta dos direitos humanos e sociais? Que desagregação é esta no campo progressista? Vamos abraçar uma causa neoliberal?”, indagou. A especialista ainda pontuou outra preocupação: a desagregação do processo de adoção do todo pela proteção integral da criança. “Como a adoção ganha realce quando ela é um processo de ruptura para uma nova situação que nem sempre será bem-sucedida?” A assistente social pontuou que em sua vivência na Assistência Social tem percebido que os processos seguem um certo rito e que a maioria dos processos de destituição familiar se dá “por negligência da mãe”. Para ela, o processo de destituição é também “um processo contra a mulher como se ela fosse autoprovida de todas as condições”, alegou.

A desculpa da burocracia
Na justificativa do PLS, Randolfe Rodrigues destaca a lentidão do andamento dos processos na Justiça brasileira e culpa a burocracia para que crianças e adolescentes abrigados enfrentem “uma espera infindável” por uma família. Esta posição reiteradamente utilizada por aqueles que defendem uma “agilização” dos processos de adoção também foi fortemente contestada na audiência.

“O ECA é um dos maiores representantes normativos do Brasil de um avanço democrático da implementação de direitos sociais, econômicos e culturais”, defendeu o promotor e professor da PUC-SP, Eduardo Dias. “Essa nova legislação é desnecessária, é um atraso e vai abrir as portas para um grande mercado de adoções. O que vemos é o Estado saindo fora completamente e a volta do filantropismo. É a materialização do Estado neoliberal”, argumentou. Ele demonstrou preocupação com o artigo 134 que autoriza a publicização de todo ato de adoção. Para ele, esta medida vai transformar os processos em vitrine, uma vez que será possível às instituições mostrar suas crianças na Internet.

A presidente do Conselho Regional de Serviço Social (Cress-SP), Kelly Melatti, também pontuou a necessidade de se fortalecer o que já existe estabelecido na área da infância e juventude. “Para resolução dos problemas identificados por esse PLS, não é necessário uma nova regulamentação. É necessário investimento em políticas sociais”, alegou. “É à uma determinada classe social que todos estes retrocessos estão direcionados. São os filhos da classe trabalhadora que está sendo atacada pela reforma trabalhista e tudo mais que serão alvo dos prejuízos de mais este retrocesso”, acredita.

A resistência às tentativas de desmonte
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi sem dúvida uma conquista histórica, reconhecida como uma das legislações mais completas em termos de direitos humanos no mundo. No entanto, sua implementação desagradou setores conservadores da sociedade que, desde sua aprovação, vêm se articulando e elaborando diversos projetos de lei com a finalidade de desmonte do ECA dos seus princípios. “O ECA representa uma conquista histórica e é uma conquista da classe trabalhadora e vimos enfrentando tentativas de desmonte há algum tempo, processo este que se dá mais intensamente na questão da redução da maioridade penal. Hoje estamos discutindo o Estatuto da Adoção, mas estes dois temas têm relação, são duas propostas de questionamento ao ECA”, defendeu Daniela Möller, representando o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). “Estas propostas recuperam perspectivas históricas que nós tentamos enterrar e uma delas é concepção de que há dois tipos de crianças: a criança abandonada, inocente, vítima da sociedade e que precisa ser protegida e a criança e o adolescente delinquente que vive nas ruas e precisa ser corrigido”, completou.

Falando pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), Bruno de Castro Motta, arrematou: “Precisamos nos organizar para fortalecer a proteção à infância e juventude neste país. É preciso esclarecer que não somos contra a adoção, somos sim a favor da adoção feita com cuidado e que seja a serviço de garantir a convivência familiar e comunitária de crianças que tiveram seus vínculos rompidos.”

Articulações políticas
Diante das falas e do posicionamento majoritário dos presentes pela retirada do PLS, a deputada Beth Sahão comprometeu-se a tentar articulações políticas para este fim. Vai conversar com o senador Paulo Paim e com a presidente do Partido dos Trabalhadores, senadora Gleise Hoffman e tentar uma aproximação com o autor do projeto, senador Randolfe.

“Assim como estamos vivendo uma série de regressões na vida social e política do país, nós temos certeza de que temos regressões no Parlamento também. Nós vamos ter uma luta séria no Senado com este projeto de lei e eu tenho muito medo que pelas articulações políticas que têm que ser feitas, que os próprios senadores tenham dificuldade de retirar este abominável projeto”, pontuou Elisabete Borgianni. “Temos que ter clareza que é com um parlamento regredido que estamos lidando. Acabou de ser aprovado ano passado um projeto de lei cujo teor foi também combatido por dez anos e foi a deputada Maria do Rosário do PT que apresentou, infelizmente. Ela propôs o depoimento especial que está, inclusive dentro deste PL”, explicou. “Por que tem que ter depoimento especial na adoção? É porque tem o interesse de grandes associações e ONGs que ganham com isso, com as capacitações”, denunciou.

Onde estão os Conselhos de Direitos?
Nossa diretora Fátima apontou para a necessidade de envolver nas discussões os conselhos de direitos como o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), o Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente), o CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social), e os Conselhos Nacionais de Saúde e Educação “uma vez que esse malfadado PLS vai impactar diretamente nestas políticas públicas”. Ela aproveitou a oportunidade para informar que nossa presidente, Ana Cláudia Junqueira Burd, e nossa secretária geral, Maíla Vilela, encontravam-se naquele mesmo dia em Brasília, em reunião com o Conanda e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), para tratar, entre outras coisas, do PLS 394.

Adiamento
Nesta quinta-feira (08/02) recebemos a notícia da assistente social Maricler Real de que a audiência pública marcada para o próximo dia 20, em Brasília foi adiada uma vez que o gabinete do senador Paulo Paim recebeu apenas manifestações contrárias ao PLS. O próprio autor do Projeto teria solicitado o adiamento. Maricler é presidente da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo (AASPTJ-SP), uma das entidades que compõe o Movimento e que iniciou as articulações e vem sediando as reuniões.

Fiquemos atentos às articulações políticas e estejamos prontos para o enfrentamento de qualquer proposta conservadora de ataque aos direitos da população, em especial à infância e juventude. 

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