AASP
Brasil acompanha última ATP do Sociojurídico organizada pelo Programa de Estudos
Pós Graduados em Serviço Social da PUC-SP
“O exercício profissional no
Judiciário: produção e reprodução do controle e da subalternização dos usuários
ou espaço para desvelamento da realidade social com a finalidade de conquistar
e assegurar direitos?” este foi o tema da última Atividade Programada do
Sociojurídico, organizada pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), no dia 24 de novembro.
Para falar sobre a atuação
do assistente social no Sistema de Justiça, a atividade contou com as
palestrantes Eunice Fávero, assistente social judiciária aposentada do TJ-SP e
coordenadora da ATP Sociojurídico, Cíntia Aparecida da Silva, assistente social
do Ministério Público de São Paulo e vice-presidente da AASP Brasil e Luiza Aparecida
de Barros, assistente social da Defensoria Pública de São Paulo.
A principal questão do dia
foi: o assistente social atua como um reprodutor do controle do estado aos
usuários ou trabalha pela garantia dos direitos da população? Cada uma das
convidadas falou da perspectiva de seus espaços de trabalho.
O Serviço Social no Tribunal de Justiça
Eunice
trouxe um histórico da atuação dos assistentes sociais no TJ paulista. A inserção
dos profissionais neste espaço iniciou-se em 1949 com o Serviço de Colocação
Familiar junto ao Juízo de Menores, na capital do Estado. Na década de 1950
teve início o Serviço Social de gabinete com a finalidade de subsidiar a ação
judicial. Naquela época, os profissionais atuavam, de forma geral, com um viés positivista,
do doutrinarismo social da Igreja Católica e na metodologia de casos
individuais de origem norte-americana. “Podemos não concordar com aquela visão
de mundo, mas é preciso dizer que havia uma grande preocupação com a qualidade
do trabalho, dentro da perspectiva do Código de Ética daquela época”, explica a
professora.
De
lá pra cá o grande dilema do Serviço Social judiciário tem sido como subsidiar
as decisões do magistrado, qual a responsabilidade dos profissionais nas vidas
das pessoas? “O Poder Judiciário atua com a finalidade de dirimir conflitos e o
faz de acordo com a lei. Na sociedade brasileira, a lei é essencialmente
positivista, ou seja, de forma genérica, estabelece formalmente a igualdade
entre os cidadãos, mesmo operando com desigualdades”, expõe. “É aí que encontramos os dilemas da nossa
ação. Como subsidiar decisões, baseadas em uma legislação com viés positivista
e operando com desigualdades?”, questiona.
“É
possível estabelecer estratégias rumo à emancipação social em um espaço
extremamente autoritário e hierarquizado como propõe nosso projeto profissional
atualmente”, propõe a professora para reflexão de todos.
O
Judiciário, enquanto um dos Poderes que integra o Estado, reflete o sistema de
subalternidade presente na sociedade capitalista, extremamente desigual. A
Justiça controla, individualmente, comportamentos, atitudes e ações dos
indivíduos ou famílias, entre eles, aqueles que encontram-se espoliados de
direitos e de uma vida digna, expressos em conflitos sociofamiliares.
O
Estado, por meio de seu aparato, exerce seu poder de controle social baseado no
consenso classista e de privilégios do capitalismo. Interfere nos conflitos
sociais implementando políticas para “manter a ordem”, difundindo a ideologia
dominante e interferindo no cotidiano das pessoas, reforçando “normas de
comportamento legitimados socialmente”.
É
neste contexto que o Serviço Social judiciário opera e encontra seus desafios:
Como avançar na ação profissional sem ser uma voz reprodutora do controle
social estabelecido? Como não ser um instrumento para culpabilizar ou
criminalizar sujeitos ou grupos subalternos nesta conjuntura social? Como não
incorporar o discurso conservador da instituição e punir os sujeitos e famílias
que não se enquadram nos modelos preconizados pela sociedade?
Para
Eunice, o assistente social deve buscar sempre compreender e trabalhar dentro
das perspectivas dos direitos humanos. O profissional tem que apropriar-se dos
princípios éticos da justiça social e dos direitos, buscando a emancipação
humana, buscando a equidade social, buscando a universalidade do acesso a bens
e serviços que garantam a dignidade do ser humano.
O Serviço Social no
Ministério Público
Cíntia iniciou sua
fala desmistificando a imagem do Ministério Público. “Temos uma imagem de uma
instituição muito potente, mas a realidade é bem diferente, esta é uma imagem
falaciosa e que tem por base a forma como o Direito se projeta na sociedade”,
afirma.
Pela
Constituição Federal de 1988 a definição do MP é a de “instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”. Para a especialista, no entanto, precisamos pensar sobre o
lugar do Direito e do Ministério Público hoje e o cenário político posto
atualmente. A noção de um agente acima das classes e garantidor do bem-estar
coletivo é um dos elementos de construção da imagem falaciosa de que o Direito
projeta suas instituições, sendo uma delas, o MP, e este estaria imune às
pressões político-econômicas existentes na sociedade. Entretanto, na realidade
da prática e com base nos estudos de Antônio Gramsci o Ministério Público acaba
integrando a dimensão coercitiva do Estado e apresenta as principais
características que definem as instituições do Sistema de Justiça: uma
estrutura organizacional fortemente hierarquizada permeada por ações de cunho
autoritário, realizadas tanto pelos operadores do Direito como por outros
profissionais, inclusive os assistentes sociais e que refletem a formação socioeconômica
brasileira.
Cintia
lembra que apesar de se constituir como autônomo e pela Constituição, não se
subordinar a nenhum dos três Poderes, o MP precisa manter boas relações com as
instituições que os representam, tal premissa foi especialmente relatada em
entrevista por um dos sujeitos de sua pesquisa de doutorado, o procurador de
justiça aposentado Dr. Hugo Nigro Mazzilli, pois o MP necessita
de orçamento, então precisa estar bem com o Executivo e precisa estar bem com o
Legislativo para aprovar seus projetos. “Mais do que estar bem temos hoje
estudos, como o apresentado na tese de Luciana Zaffallon que mostram que há uma
relação forte entre o MP e as demais instituições do Sistema de Justiça com
estes Poderes”, alega. “O governo do Estado de São Paulo pode ser destituído
por duas formas: pelo Legislativo ou pelo Sistema de Justiça. O Legislativo é
hoje todo base de apoio do governo estadual e quem tem a atribuição de
contestar a atuação do governo do Estado é a pessoa que é indicada pelo próprio
governador”, completa.
Outra
imagem falaciosa posta na forma como o Direito se projeta e isto pode ser
evidenciado nas instituições do Sistema de Justiça, entre elas o Ministério
Público é a ideia de que as resoluções das situações das vidas das pessoas se
dariam apenas pelo respeito à normativa. “O grande desafio do assistente social
nesta área é entender que o trabalho dele deve perpassar a legislação e
ultrapassá-la”, acredita.
Um
cuidado importante que o profissional do Serviço Social deve ter é com o
conhecimento das principais demandas da instituição, pois a área criminal, a da
persecução penal é a essência do MP. Mas o Serviço Social brasileiro ainda tem
dificuldades de atuar nessa área e isto não foge ao Serviço Social no
Ministério Público. Não se pode ignorar esta essência institucional de
trabalhar com o inquérito e a persecução. “O Serviço Social precisa avançar e
olhar para este espaço, pois se tem violado muito os direitos das pessoas”,
reflete Cíntia. “Temos pautado muito nossa atuação no depois. Não poderíamos
fazer a diferença se atuássemos antes, se atuássemos conjuntamente, se estivéssemos
ao lado do promotor debatendo? Precisamos ocupar estes espaços para tentar
mudar a realidade como ela está posta”.
A
Constituição Federal de 1988 representou uma grande mudança de paradigma. A
carta cidadã atribuiu novas oportunidades de ações políticas ao MP,
impulsionando a normatização de outros direitos difusos e coletivos. Tanto é
que a maioria das leis criadas após 1988, reservam funções ao Ministério
Público. Este alargamento das funções aliado ao fato de que faltava aos
promotores a formação social adequada para lidar com as demandas postas pela
sociedade, que possibilitaram a inserção de outras profissões no MP, entre
elas, o Serviço Social. Foi especialmente nos anos 2000 que se ampliou a
atuação dos assistentes sociais na instituição.
Para
Cíntia, a principal questão para o Serviço Social hoje no Ministério Público é
qual a direção deve ser tomada pela profissão: continuar atuando apenas na área
dos direitos difusos e coletivos? Ocupar também o espaço dos casos individuais?
E outra questão que também está em debate: atuar somente no cível ou também no
criminal?
O Serviço Social na
Defensoria Pública
“Quando nós discutimos a área sociojurídica,
principalmente para nós do Serviço Social, a primeira questão que nos pega é
que precisamos ter o olhar da crítica ao Direito”. Foi assim que Luiza iniciou
sua fala. Ela defende que os profissionais devem buscar uma identidade
profissional que faça enfrentamento ao de não se submeter como uma função
auxiliar para a manutenção das formas jurídicas existentes. “Se não fizermos
esta crítica, não vamos perpassar a lei como estamos discutindo aqui hoje, mas
vamos apenas receber a demanda que nos é imposta sem olhar devidamente para os
direitos das pessoas”, diz.
Dentro
de uma sociedade capitalista como a nossa, o Direito se insere como mercadoria,
as relações capitalistas determinam as formas de organização do Direito. Então,
nesta sociedade não é possível haver Direito progressista, o que temos são
pessoas progressistas tentando construir formas de garantia de direitos.
Luiza
traz aos presentes a questão da judicialização da vida. O Poder Judiciário
assume a responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social. “Como
podemos pensar que podemos ter resultados realmente justos se transferimos para
o Judiciário a decisão daquilo que é o nosso direito?”, questiona. Três
questões vão perpassar o dia a dia na Defensoria Pública: A judicialização das
políticas sociais como possibilidade de maior alcance democrático de direitos;
a judicialização como retirada da esfera pública à participação democrática e a
particularidade da sociedade brasileira na questão social que é a
criminalização dos pobres.
O
acesso à justiça pelo recurso ao Judiciário é uma possibilidade, mas não uma
garantia. De um lado, temos um Judiciário cada vez mais acessado para garantir
os direitos e de outro, temos uma gestão política que continua a destituir
estes direitos. Esta relação de forças não pode passar desapercebida.
“Compreender qualquer questão sem o elemento da contradição, falar de
judicialização sem apontar também o aspecto perverso que é a criminalização da
vida de determinados sujeitos, é furtar-se do elemento de análise que considera
a história como movimento concreto de realidade”, aponta a especialista.
Para
Luiza, no Judiciário ainda os sujeitos são alvos de políticas que mais punem do
que garantem proteção social. O encarceramento e o acolhimento institucional de
crianças e adolescentes são, por exemplo, duas expressões desta realidade
escancarada no sociojurídico. “Nesse conjunto complexo, é tarefa desafiadora do
cotidiano profissional na área sociojurídica trazer à tona o sujeito em suas
relações sociais dotado de potencialidade e pertencimento, mesmo que não
reconhecido por aqueles que o julgam”, expõe.