quinta-feira, 30 de novembro de 2017

AASP Brasil participa de reunião ampliada da ABEPSS

Encontro debateu “a realidade da formação nos programas de Residência e Aprimoramento em Serviço Social”



No último dia 24 ocorreu a Reunião Ampliada da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) Sul II, na universidade Fama, em Mauá, São Paulo. A AASP Brasil acompanhou o encontro, representada pela vice-presidente, Cíntia Aparecida da Silva.

“A realidade da formação nos programas de Residência e Aprimoramento em Serviço Social: Um debate necessário” foi o tema de discussão desta reunião. Os presentes debateram a preocupação com a formação e refletiram sobre se os programas de residência e de mestrado profissional estão mesmo cumprindo a sua função essencial de formação ou se estão explorando mão de obra de forma precarizada.

Terezinha Rodrigues, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), convidada para auxiliar os debates trouxe a informação de que é cada vez mais comum os residentes adoecerem por conta da rotina extenuante. “Não é possível todos os residentes ficarem doentes. Se for por aí, então temos que buscar outra saída”, expôs.

Alguns assistentes sociais residentes presentes falaram sobre suas experiências e como se sentem desamparados nesta vivência. Muitos disseram se sentir sozinhos, sem o apoio e orientação dos supervisores.

Cíntia trouxe um dado preocupante que foi debatido durante o II Encontro Regional do Serviço Social no Ministério Público – Centro Oeste: Ministérios Públicos estão oferecendo estágios de pós graduação em Serviço Social com uma bolsa cujo valor é muito inferior à remuneração dos profissionais concursados. No entanto, na prática os estagiários deverão exercer as mesmas funções e carga horária que os profissionais contratados. Há proposta em alguns estados da substituição da contratação via concursos públicos por programas de estágio.

Ao fim da reunião, decidiu-se por continuar os debates na ABEPSS, por meio do Grupo de Trabalho já constituído com este tema, com reuniões mais periódicas. 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

O exercício profissional no Judiciário: Reprodução do controle ou espaço de garantia de direitos?

AASP Brasil acompanha última ATP do Sociojurídico organizada pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC-SP



“O exercício profissional no Judiciário: produção e reprodução do controle e da subalternização dos usuários ou espaço para desvelamento da realidade social com a finalidade de conquistar e assegurar direitos?” este foi o tema da última Atividade Programada do Sociojurídico, organizada pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no dia 24 de novembro.

Para falar sobre a atuação do assistente social no Sistema de Justiça, a atividade contou com as palestrantes Eunice Fávero, assistente social judiciária aposentada do TJ-SP e coordenadora da ATP Sociojurídico, Cíntia Aparecida da Silva, assistente social do Ministério Público de São Paulo e vice-presidente da AASP Brasil e Luiza Aparecida de Barros, assistente social da Defensoria Pública de São Paulo.

A principal questão do dia foi: o assistente social atua como um reprodutor do controle do estado aos usuários ou trabalha pela garantia dos direitos da população? Cada uma das convidadas falou da perspectiva de seus espaços de trabalho.

O Serviço Social no Tribunal de Justiça

Eunice trouxe um histórico da atuação dos assistentes sociais no TJ paulista. A inserção dos profissionais neste espaço iniciou-se em 1949 com o Serviço de Colocação Familiar junto ao Juízo de Menores, na capital do Estado. Na década de 1950 teve início o Serviço Social de gabinete com a finalidade de subsidiar a ação judicial. Naquela época, os profissionais atuavam, de forma geral, com um viés positivista, do doutrinarismo social da Igreja Católica e na metodologia de casos individuais de origem norte-americana. “Podemos não concordar com aquela visão de mundo, mas é preciso dizer que havia uma grande preocupação com a qualidade do trabalho, dentro da perspectiva do Código de Ética daquela época”, explica a professora. 

De lá pra cá o grande dilema do Serviço Social judiciário tem sido como subsidiar as decisões do magistrado, qual a responsabilidade dos profissionais nas vidas das pessoas? “O Poder Judiciário atua com a finalidade de dirimir conflitos e o faz de acordo com a lei. Na sociedade brasileira, a lei é essencialmente positivista, ou seja, de forma genérica, estabelece formalmente a igualdade entre os cidadãos, mesmo operando com desigualdades”, expõe.  “É aí que encontramos os dilemas da nossa ação. Como subsidiar decisões, baseadas em uma legislação com viés positivista e operando com desigualdades?”, questiona.

“É possível estabelecer estratégias rumo à emancipação social em um espaço extremamente autoritário e hierarquizado como propõe nosso projeto profissional atualmente”, propõe a professora para reflexão de todos.

O Judiciário, enquanto um dos Poderes que integra o Estado, reflete o sistema de subalternidade presente na sociedade capitalista, extremamente desigual. A Justiça controla, individualmente, comportamentos, atitudes e ações dos indivíduos ou famílias, entre eles, aqueles que encontram-se espoliados de direitos e de uma vida digna, expressos em conflitos sociofamiliares.

O Estado, por meio de seu aparato, exerce seu poder de controle social baseado no consenso classista e de privilégios do capitalismo. Interfere nos conflitos sociais implementando políticas para “manter a ordem”, difundindo a ideologia dominante e interferindo no cotidiano das pessoas, reforçando “normas de comportamento legitimados socialmente”.

É neste contexto que o Serviço Social judiciário opera e encontra seus desafios: Como avançar na ação profissional sem ser uma voz reprodutora do controle social estabelecido? Como não ser um instrumento para culpabilizar ou criminalizar sujeitos ou grupos subalternos nesta conjuntura social? Como não incorporar o discurso conservador da instituição e punir os sujeitos e famílias que não se enquadram nos modelos preconizados pela sociedade?

Para Eunice, o assistente social deve buscar sempre compreender e trabalhar dentro das perspectivas dos direitos humanos. O profissional tem que apropriar-se dos princípios éticos da justiça social e dos direitos, buscando a emancipação humana, buscando a equidade social, buscando a universalidade do acesso a bens e serviços que garantam a dignidade do ser humano.

O Serviço Social no Ministério Público
Cíntia iniciou sua fala desmistificando a imagem do Ministério Público. “Temos uma imagem de uma instituição muito potente, mas a realidade é bem diferente, esta é uma imagem falaciosa e que tem por base a forma como o Direito se projeta na sociedade”, afirma.

Pela Constituição Federal de 1988 a definição do MP é a de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Para a especialista, no entanto, precisamos pensar sobre o lugar do Direito e do Ministério Público hoje e o cenário político posto atualmente. A noção de um agente acima das classes e garantidor do bem-estar coletivo é um dos elementos de construção da imagem falaciosa de que o Direito projeta suas instituições, sendo uma delas, o MP, e este estaria imune às pressões político-econômicas existentes na sociedade. Entretanto, na realidade da prática e com base nos estudos de Antônio Gramsci o Ministério Público acaba integrando a dimensão coercitiva do Estado e apresenta as principais características que definem as instituições do Sistema de Justiça: uma estrutura organizacional fortemente hierarquizada permeada por ações de cunho autoritário, realizadas tanto pelos operadores do Direito como por outros profissionais, inclusive os assistentes sociais e que refletem a formação socioeconômica brasileira.

Cintia lembra que apesar de se constituir como autônomo e pela Constituição, não se subordinar a nenhum dos três Poderes, o MP precisa manter boas relações com as instituições que os representam, tal premissa foi especialmente relatada em entrevista por um dos sujeitos de sua pesquisa de doutorado, o procurador de justiça aposentado Dr. Hugo Nigro Mazzilli, pois o MP necessita de orçamento, então precisa estar bem com o Executivo e precisa estar bem com o Legislativo para aprovar seus projetos. “Mais do que estar bem temos hoje estudos, como o apresentado na tese de Luciana Zaffallon que mostram que há uma relação forte entre o MP e as demais instituições do Sistema de Justiça com estes Poderes”, alega. “O governo do Estado de São Paulo pode ser destituído por duas formas: pelo Legislativo ou pelo Sistema de Justiça. O Legislativo é hoje todo base de apoio do governo estadual e quem tem a atribuição de contestar a atuação do governo do Estado é a pessoa que é indicada pelo próprio governador”, completa.

Outra imagem falaciosa posta na forma como o Direito se projeta e isto pode ser evidenciado nas instituições do Sistema de Justiça, entre elas o Ministério Público é a ideia de que as resoluções das situações das vidas das pessoas se dariam apenas pelo respeito à normativa. “O grande desafio do assistente social nesta área é entender que o trabalho dele deve perpassar a legislação e ultrapassá-la”, acredita.

Um cuidado importante que o profissional do Serviço Social deve ter é com o conhecimento das principais demandas da instituição, pois a área criminal, a da persecução penal é a essência do MP. Mas o Serviço Social brasileiro ainda tem dificuldades de atuar nessa área e isto não foge ao Serviço Social no Ministério Público. Não se pode ignorar esta essência institucional de trabalhar com o inquérito e a persecução. “O Serviço Social precisa avançar e olhar para este espaço, pois se tem violado muito os direitos das pessoas”, reflete Cíntia. “Temos pautado muito nossa atuação no depois. Não poderíamos fazer a diferença se atuássemos antes, se atuássemos conjuntamente, se estivéssemos ao lado do promotor debatendo? Precisamos ocupar estes espaços para tentar mudar a realidade como ela está posta”.

A Constituição Federal de 1988 representou uma grande mudança de paradigma. A carta cidadã atribuiu novas oportunidades de ações políticas ao MP, impulsionando a normatização de outros direitos difusos e coletivos. Tanto é que a maioria das leis criadas após 1988, reservam funções ao Ministério Público. Este alargamento das funções aliado ao fato de que faltava aos promotores a formação social adequada para lidar com as demandas postas pela sociedade, que possibilitaram a inserção de outras profissões no MP, entre elas, o Serviço Social. Foi especialmente nos anos 2000 que se ampliou a atuação dos assistentes sociais na instituição.

Para Cíntia, a principal questão para o Serviço Social hoje no Ministério Público é qual a direção deve ser tomada pela profissão: continuar atuando apenas na área dos direitos difusos e coletivos? Ocupar também o espaço dos casos individuais? E outra questão que também está em debate: atuar somente no cível ou também no criminal?

O Serviço Social na Defensoria Pública
“Quando nós discutimos a área sociojurídica, principalmente para nós do Serviço Social, a primeira questão que nos pega é que precisamos ter o olhar da crítica ao Direito”. Foi assim que Luiza iniciou sua fala. Ela defende que os profissionais devem buscar uma identidade profissional que faça enfrentamento ao de não se submeter como uma função auxiliar para a manutenção das formas jurídicas existentes. “Se não fizermos esta crítica, não vamos perpassar a lei como estamos discutindo aqui hoje, mas vamos apenas receber a demanda que nos é imposta sem olhar devidamente para os direitos das pessoas”, diz.

Dentro de uma sociedade capitalista como a nossa, o Direito se insere como mercadoria, as relações capitalistas determinam as formas de organização do Direito. Então, nesta sociedade não é possível haver Direito progressista, o que temos são pessoas progressistas tentando construir formas de garantia de direitos.

Luiza traz aos presentes a questão da judicialização da vida. O Poder Judiciário assume a responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social. “Como podemos pensar que podemos ter resultados realmente justos se transferimos para o Judiciário a decisão daquilo que é o nosso direito?”, questiona. Três questões vão perpassar o dia a dia na Defensoria Pública: A judicialização das políticas sociais como possibilidade de maior alcance democrático de direitos; a judicialização como retirada da esfera pública à participação democrática e a particularidade da sociedade brasileira na questão social que é a criminalização dos pobres.

O acesso à justiça pelo recurso ao Judiciário é uma possibilidade, mas não uma garantia. De um lado, temos um Judiciário cada vez mais acessado para garantir os direitos e de outro, temos uma gestão política que continua a destituir estes direitos. Esta relação de forças não pode passar desapercebida. “Compreender qualquer questão sem o elemento da contradição, falar de judicialização sem apontar também o aspecto perverso que é a criminalização da vida de determinados sujeitos, é furtar-se do elemento de análise que considera a história como movimento concreto de realidade”, aponta a especialista.

Para Luiza, no Judiciário ainda os sujeitos são alvos de políticas que mais punem do que garantem proteção social. O encarceramento e o acolhimento institucional de crianças e adolescentes são, por exemplo, duas expressões desta realidade escancarada no sociojurídico. “Nesse conjunto complexo, é tarefa desafiadora do cotidiano profissional na área sociojurídica trazer à tona o sujeito em suas relações sociais dotado de potencialidade e pertencimento, mesmo que não reconhecido por aqueles que o julgam”, expõe. 

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

CRESS-MG: A valorização da/o assistente social frente às investidas neoconservadoras e suas atribuições e condições de trabalho - O exemplo do Depoimento Especial

Palestra com participação da AASP Brasil, representada pela presidente, Ana Cláudia Junqueira Burd, pela secretária geral, Maíla Rezende Vilela e Elisabete Borgianni, do Conselho de Especialistas:


SP: Governo apresenta minuta com nova redação para PL 920/17

Representantes dos servidores públicos falam sobre os riscos do congelamento de investimentos e querem a retirada do projeto




O líder do governo, deputado Barros Munhoz (PSDB) convocou reunião com as centrais sindicais e entidades representativas dos servidores públicos, nesta quarta-feira (22/11) na Assembleia Legislativa de São Paulo. O objetivo era apresentar a minuta de um substitutivo para o Projeto de Lei 920/17, que trata da renegociação das dívidas do estado com a União. A Assessoria de Comunicação da AASP Brasil acompanhou a reunião.

Embora a nova redação, em seu artigo 3°, afirme que o proposto no PL não impedirá a concessão de reajustes, a concessão de promoções e progressão funcional e a realização de concursos, as entidades continuam empenhadas pela retirada do projeto. Representantes do Judiciário, da Educação, da Saúde e da Segurança Pública falaram sobre os problemas que a falta de investimentos nestas áreas pode provocar com o engessamento consequente da aprovação do projeto. 

“A alternativa de retirada do projeto foi recusada pelo governo que entende que o prejuízo será maior. Já tem cinco estados que aprovaram a lei, outros já encaminharam o projeto que tende a ser aprovado e há uma pressão constante da área federal porque este foi um acordo celebrado em que os estados assumiram o compromisso de encaminhar este projeto às assembleias e lutar pela sua aprovação, sob pena de perder os benefícios da renegociação da dívida”, alegou o líder do governo.

“Nós estivemos no Palácio dos Bandeirantes para levar nossa pauta de reivindicações e não fomos recebidos nem pelo secretário, colocaram o secretário do secretário, que só anotou as coisas, mas não obtivemos nenhuma resposta”, disse Jozé Gozze, representante da Pública, central que representa os servidores públicos. “Já estamos acostumados com este tratamento do governo Alckmin. Agora um projeto como este não podemos aceitar, continuamos com a posição de retirada. O projeto apenas fala na possibilidade de garantir o reajuste, não dá a mínima garantia, possibilidade nós já estamos esperando a décadas”, expôs.

Desta forma, os representantes dos trabalhadores mantiveram o indicativo de manifestação na porta da Alesp na próxima terça-feira (28/11), a partir das 11 horas pela retirada do PL.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

SP: AASP Brasil reúne-se com sindicato dos servidores do Ministério Público

Parceria na luta pela garantia dos direitos dos trabalhadores foi a pauta do encontro



No último dia 13 a AASP Brasil, representada pela vice-presidente, Cíntia Aparecida da Silva, e a representante do Conselho de Especialistas Elisabete Borgianni reuniram-se com a presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público de São Paulo (Sindsemp), Jacira Costa, e com a primeira secretária, Jaqueline Costa. O objetivo do encontro foi o de estabelecer uma parceria entre as duas entidades, com o intuito de fortalecer a atuação de ambas na representação dos servidores daquela instituição, especialmente os assistentes sociais e psicólogos.

A reunião ocorreu na sede do sindicato, na capital paulista e teve como pauta as dificuldades enfrentadas em relação à organização dos trabalhadores do MP-SP e o quanto esta conjuntura tem afetado as forma de enfrentamento possível do coletivo de trabalhadores contra a precarização e a falta de condições de trabalho. Melhorias salariais e investimentos na carreira foram temas presentes na conversa.

Outro ponto importante abordado no encontro foi o histórico da criação e implantação do Instituto de Remoção do Tribunal de Justiça daquele estado. Elisabete foi presidente da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do TJ-SP (AASPTJ-SP) naquela época e participou ativamente deste processo, inclusive integrando o Comitê da Remoção, formado por membros do TJ e representantes da categoria. Ela trouxe informações importantes sobre o tema. O Ministério Público de São Paulo não possui um programa de remoção, conta apenas com a possibilidade de permuta, o que dificulta a vida de servidores que necessitam alterar seu local de lotação.

Jacira frisou em sua fala compreender que os assistentes sociais e psicólogos do MP-SP foram as categorias que mais perderam direitos e benefícios com o Plano de Cargos e Carreira aprovado no ano de 2017. Para ela, tal situação precisa ser enfrentada. 

Já Cíntia expôs que, “diante do cenário em que nos encontramos, é necessário unirmos forças para garantir que os direitos anteriormente conquistados não retrocedam e que possamos conquistar outros.” Ela também enfatizou a importância de o Ministério Público ampliar o quadro de profissionais do Serviço Social e da Psicologia na instituição, para que estes estejam mais próximos aos promotores de justiça para assessorá-los em prol da garantia e efetivação de direitos da população. 






terça-feira, 14 de novembro de 2017

Psicologia em Foco: Depoimento especial - Um impasse entre a escuta psicológica e a inquirição

Especialistas falaram sobre histórico da metodologia, a luta de resistência e as contradições presentes na aplicação da Lei 13.341/17



No último dia 8 de novembro o Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG) realizou o evento “Psicologia em Foco: Depoimento especial - Um impasse entre a escuta psicológica e a inquirição” e convidou para participar da mesa de debates a psicóloga Esther Arantes e a assistente social judiciária aposentada Elisabete Borgianni, membro do Conselho de Especialistas da AASP Brasil. Nossa presidente, Ana Cláudia Junqueira Burd, foi a mediadora dos debates.

Elisabete falou sobre o funcionamento do Depoimento Especial nos fóruns. “Surgiu com uma defesa de tese no Rio Grande do Sul, em 2001 e de repente isso se tornou uma política pública, disseminou-se pelo Brasil e agora virou lei”, apontou. O Depoimento Especial é um momento de colheita de prova, tanto é que ocorre na Vara Criminal e não na Vara da Infância e Juventude. Para a profissional, há um grande desafio que precisa ser pensado nesta situação. A Convenção dos Direitos da Infância e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantem a proteção para que a criança não seja exposta a nenhuma situação de constrangimento e de violência. Por outro lado, há também, no Direito Penal, o direito ao contraditório do réu, que precisa ser garantido. Como o Depoimento Especial é um momento de colheita de prova, o réu precisa estar presente. “Em um momento de colheita de prova não existe sigilo, não é como nos nossos estudos, que depois integram o processo, é uma colheita de provas, então o réu tem o direito de assistir”, disse. Como existe esta contradição, a saída que acharam foi a de usar assistentes sociais e psicólogos como interpretes do juiz nas salas de Depoimento Especial. Essa saída criada, é uma saída criminalizante, que foi criada com o objetivo único de responsabilização criminal e não para proteção da criança. “Nós sabemos que em 90% dos casos o abuso sexual ocorre dentro da família ou em círculos de convivência próximos. Veja que situação é uma criança fazer uma prova contra alguém das relações próxima a ela”, analisou. 

Para Elisabete, esta metodologia é uma colonização do Serviço Social e da Psicologia pela área do Direito. Ela defendeu que não é papel do assistente social e do psicólogo inquirir pessoas para extração da verdade. “Nos deixem fazer nossos estudos sociais, nossas avaliações psicológicas, que são mais protetivos da criança. Nos deixem trabalhar com os nossos métodos, ninguém tem que nos dizer o que fazer ou filmar o que estamos fazendo com a criança. Onde fica a autonomia do profissional se tudo está sendo filmado?”, avaliou.
Para Esther, estamos enfrentando “uma briga de cachorro grande, pois as forças que se colocam neste debate têm interesses já muito sedimentados. Se nós não nos unirmos, não vamos dar conta”, expôs. A psicóloga explicou que a Lei 13.341/17 foi aprovada às pressas e sem o devido debate. Ocorreu em um período de comoção por conta de um estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro à época. “Não se pode aproveitar uma situação de calamidade pública para se votar uma lei que vai mudar a vida de todas as crianças e adolescentes no Brasil. Isso é oportunismo”, alegou. “A questão aqui não é quem quer proteger a criança e quem não quer proteger. Partimos do pressuposto de que todos nós queremos proteger os direitos humanos de crianças e adolescentes.  A questão é o próprio sentido do que é proteger a criança”, acredita a especialista.

Por fim, Esther aponta para a necessidade de se compreender que escutar e inquirir são dois conceitos diferentes e que a criança não pode ser responsabilizada pelo ônus da prova.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Produção da ‘verdade’, Serviço Social e sigilo profissional: dilemas no cotidiano profissional no sociojurídico

“Verdade”. Quantos sentidos esta simples palavra pode ter? E quando se trata da Justiça, que sentidos a verdade toma? Esta foi a discussão abordada pela Atividade Programada “o Serviço Social na área sociojurídica”, organizado pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, no dia 27 de outubro. Os palestrantes do dia foram a assistente social aposentada do TJ-SP e coordenadora da ATP, Eunice Fávero e o assistente social e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Charles Toniolo.

Eunice iniciou ao falar do sentido da “verdade” no meio jurídico, no qual ela é identificada com a justiça, “o estabelecimento da verdade dos fatos para absolver ou para condenar alguém envolvido em algum processo judicial”. Isso explica o fato, por exemplo, de atualmente se buscar cada vez mais o uso de protocolos de entrevistas, tanto com adultos como com crianças, como nos casos de depoimento especial de crianças e adolescentes vitimas de violência. O jurídico privilegia a verdade que corresponde aos fatos, procura saber o que realmente se passou para uma tomada de decisão, buscando “fazer justiça”. E o que pode ser considerado um fato? Vai depender do que as leis definem como tal, lembrando que nossa legislação parte da lógica positivista, privilegiando o sistema de classes.
 
A professora trouxe um pouco sobre a obra ”A verdade e as formas jurídicas”, do filósofo francês Michel Foucault, na qual ele trata do aparecimento de personagens e instituições relacionadas à “extração da verdade dos fatos”. Ele identifica o aparecimento de uma “justiça” que se impõe aos indivíduos, que são submetidos a um poder exterior – o Judiciário -; o aparecimento do procurador como representante do poder político lesado; o aparecimento da noção de “infração” como ofensa não só de um indivíduo para o outro, mas também do indivíduo para o Estado e, por fim, o aparecimento do inquérito, que vai possibilitar o estabelecimento do que aconteceu, por meio de depoimentos de pessoas. Nas práticas judiciárias o inquérito substitui o flagrante delito.

Nos espaços de trabalho do Sociojurídico, o assistente social será chamado a contribuir com a constatação da “verdade dos fatos”, por meio dos seus estudos e perícias sociais.  
Depoimento especial de crianças e adolescentes
É neste contexto que ocorre a aprovação da Lei 13.431/17, que institui o depoimento especial de crianças e adolescentes vitimas de violência, que passa a vigorar em abril de 2018. Trata-se do marco legal para a prática de metodologias de inquirição de crianças e adolescentes, às quais os profissionais do Serviço Social começam a ser chamados a atuarem.
A justificativa para tal lei baseou-se principalmente na violência institucional, na ideia de que “crianças e adolescentes são expostos à vitimização secundária produzida pela ação ineficiente do Estado”. No entanto, quem irá controlar a chamada “violência institucional”? “Não podemos ser ingênuos nesta situação, na realidade, quem vai ser o grande culpado neste quadro será a família, especialmente a família pobre”, alegou Eunice.
De acordo com a professora, a principal controvérsia do depoimento especial é o fato de colocar a criança como a responsável pela produção da prova judicial nas situações em que figura como vitima ou testemunha de violência, com o objetivo de responsabilizar o autor desta violência. E o assistente social irá figurar como o responsável pela extração “técnica da verdade dos fatos”.
Responsabilização x proteção
Charles falou sobre como o discurso da responsabilização que sempre vem transpassado pelo discurso da proteção, como é o caso da Lei 13.431. “Há a ideia de que ao punir o agressor com a pena de prisão se protege a criança como se fosse uma equação matemática. E nós que trabalhamos com a criança sabemos que não é uma equação tão matemática assim”, expôs. “Estamos falando de relações familiares, relações afetivas, relações econômicas, de relações com a comunidade porque o pesa da prova fica para a criança para o resto da vida dela”, completou.
No entanto, essa tensão entre proteção e punição não é nova, sempre existiu na história das relações sociais. Ela é própria da contradição da sociedade de classes. “Esta contradição não é algo que está posto do depoimento especial, é algo que está posto no cenário político e em determinados períodos históricos temos maior ênfase em práticas protetivas ou maior ênfase em práticas punitivas”, alegou.
 
A linguagem e a verdade
O professor nos lembra que “inquérito” vem do latim “inquaritare”, que significa “procurar com ardor”. Ou seja, dentro do universo da Justiça, o inquérito tem como propósito “buscar com ardor a verdade”.
 
Para Charles, não podemos nos esquecer que a “verdade” se expressa na linguagem e este é um debate que o Serviço Social precisa enfrentar. “A verdade tem duas dimensões: como fato concreto e como discurso. Se a linguagem permite conhecermos a verdade, ela também serve para mistificar e não podemos esquecer que o que falamos tem poder de ‘verdade’”, explicou.
 
Ele lembra da ideia de Comte de que “a ciência é a nova religião da humanidade”. Se antes quem revelava a verdade era a religião, agora quem o faz é a ciência. Isso nos demonstra que a técnica tem um fundamento de verdade porque ela advém do conhecimento científico e, aplicar a técnica é usar a ciência na intervenção do mundo. O Serviço Social não é exceção à regra e muitas vezes vemos a ideia de que o trabalho se reduz a manejar os instrumentos. “O fato é que os instrumentos são construídos a partir do conhecimento que se propõe a ser verdadeiro e eles vão ser manejados por trabalhadores no âmbito do trabalho a partir da classificação de categorias profissionais, entre elas, o Serviço Social”, apontou.
 
O sigilo
Charles trouxe a discussão de que o direito à vida privada nasceu com a revolução burguesa. A oposição entre público e privado é a base do Liberalismo. O direito ao privado nasce como um modo de o Estado não interferir no mercado. E ele nasce atrelado ao interesse de classe.
 
No entanto, esta lógica não vale para os usuários do Serviço Social. “Para acessar direitos se tem o direito violado. E a ideia do sigilo vai se movimentar dentro dos interesses em jogo”, disse o professor.
 
A legislação traz o sigilo, a princípio como um direito do usuário. Porém, não é a legislação que cria o sigilo. De acordo com Charles, o sigilo profissional surge com o surgimento da medicina racional, que vem como uma alternativa à explicação religiosa. “Para que a população confie naquele que se propõe a cuidar do corpo, a cuidar da sua vida de forma laica, não se pode sair falando tudo o que a pessoa te conta. A hipótese que tenho é a de que o sigilo surge como uma forma de legitimar a medicina racional junto à população”, apontou.
 
A questão do segredo na vida privada surge na religião e a ideia de se compartilhar segredos traz junto uma ideia de vinculo. Então, o segredo são as verdades ocultas e quem as revela é a ciência por meio daqueles que são treinados pelos conhecimentos, ou seja, nós.
 
O sigilo aparece no Código de Ética do Serviço Social como direito do profissional. “Nas outras profissões ele aparece como dever, na nossa colocamos como direito”, Charles quer entender o porquê na sua pesquisa de doutorado. Ele acredita que esta ideia tem a ver com a legitimidade. “Mas às vezes isso é confundido, pois se o sigilo é direito do usuário em primeiro lugar, ele também é dever do profissional”, defendeu.
 
Charles acredita que o que o profissional divulga do seu trabalho com o usuário são escolhas. “Nós precisamos entender que nosso relatório é público. A partir do momento que você carimba, assina e entrega para alguém, você perde o controle sobre ele”, expôs. “O sigilo não está no envelope, está no que você escolheu revelar ou não”, completou. Outro ponto que merece atenção é o fato de que no relatório o sujeito da narração é o profissional e não o individuo. Este é sujeito na entrevista, daí o cuidado com o que e de que forma revelamos nos relatórios.
 
 
 
 

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

AASP Brasil participa do II Encontro Regional do Serviço Social no Ministério Público – Centro Oeste

A proposta foi de continuar os debates que vem acontecendo em âmbito nacional sobre a direção social do trabalho do assistente social no Ministério Público



Entre os dias 25 e 27 de outubro ocorreu II Encontro Regional do Serviço Social no Ministério Público – Centro Oeste, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A AASP Brasil foi representada pela vice-presidente, Cíntia Aparecida da Silva, assistente social do MP-SP. O encontro foi uma deliberação do coletivo de assistentes sociais do Ministério Público que atuam nas unidades da região Centro-Oeste, nos seguintes estados: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal e Territórios.

A proposta foi de continuar os debates que vem acontecendo em âmbito nacional sobre a direção social do trabalho do assistente social no Ministério Público. Foram convidadas para debater as principais questões as assistentes sociais Márcia Nogueira da Silva – MP-RJ (associada da AASP Brasil) e Sílvia da Silva Tejadas – MP-RS.

Os principais temas abordados nesses três dias de encontro trataram de alguns questionamentos caros aos assistentes sociais do MP, dentre eles:

- O que os diferencia do trabalho nos Tribunais de Justiça?
- O entendimento do lugar do Ministério Público no Sistema de Justiça e a amplitude de atuação (judicial e extrajudicial); (individual e coletivo); (cível e criminal) que a instituição comporta.
- Margem de expansão do trabalho – construção do trabalho – entendimento de que o processo de assessoramento é muito mais amplo e com isso temos possibilidades de trabalho continuado. Por isso, a temática central dos Encontros têm sido identificar a direção social do trabalho do assistente social no Ministério Público.

Entre estes temas e outros que permearam as discussões, foram trazidos também a forma de atuação dos assistentes sociais presentes, estendendo ao trabalho que é desenvolvido no Ministério Público de Rondônia e de São Paulo, visto a presença de nossa vice-presidente.

Um tema em destaque surtiu bastante debate entre os presentes: as novas formas de contratação de assistentes sociais e psicólogos pelos Ministérios Públicos estaduais. Foi trazido por diversos profissionais, o regime de contratação de pós-graduação e também Residência, que se constituem na contratação de assistentes sociais e psicólogos para atuação nas Promotorias de Justiça com o recebimento de uma bolsa no valor de R$1800,00. Este valor está muito abaixo do recebido pelos profissionais do Ministério Público, o que demonstra como as instituições vêm estabelecendo novas formas de precarização do trabalho. Tal temática possui interface direta com a Recomendação 33 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que tem como ementa as diretrizes para a implantação e estruturação das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude no âmbito do MP dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, destinando atenção específica para a composição de equipes técnicas interprofissionais para atuar nos órgãos de execução especializados em Infância e Juventude e recomenda que os Ministérios Públicos estaduais contratem assistentes sociais e psicólogos (podendo ser via concursos públicos ou outras formas de contratação) para atuação nas Promotorias de Justiça da Infância e Juventude.

Nesse sentido, foi trazido pelos profissionais a importância da categoria profissional pensar estratégias de maior aproximação com o CNMP, Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e associações.

A Associação e o trabalho que desenvolve, foram apresentados pela vice-presidente. O evento contou com a participação inicial de 23 assistentes sociais.

Dez assistentes sociais associaram-se à AASP Brasil, dos seguintes locais: Rondônia, Goiás e Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Os novos associados levaram material de divulgação para seus locai de trabalho afim de que seus colegas possam conhecer a Associação.

Algumas importantes deliberações foram tiradas nesse Encontro e serão encaminhadas para as assistentes sociais do MP-SP que sediará o VII Encontro Nacional do Serviço Social no Ministério Público no ano de 2018.

  

Avanços conservadores em proposições, marcos legais e práticas judiciais: afetando a proteção de direitos de crianças , adolescentes e famílias?

No último dia 20 de outubro a AASP Brasil acompanhou mais uma Atividade Programada “o Serviço Social na área sociojurídica”, organizado pelo Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. O tema deste encontro foi “Avanços conservadores em proposições, marcos legais e práticas judiciais: afetando a proteção de direitos de crianças , adolescentes e famílias?” e as palestrantes foram a assistente social aposentada do TJ-SP e coordenadora da ATP, Eunice Fávero e pela assistente social judiciária Rita de Cássia Oliveira. Acompanharam o encontro nossa vice-presidente, Cintia Silva e alguns associados.

“Pensamos neste tema por conta da conjuntura que estamos vivendo de tantos retrocessos. Existem inúmeros projetos, inúmeras novas legislações que têm prejudicado diretamente crianças e adolescentes e famílias da população pobre”, expôs Eunice. A professora falou sobre a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído na década de 90, e que coloca a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, uma visão diferente do que havia anteriormente em termos de legislação. “São direitos que se aplicam a todas as crianças independente da condição social”. No entanto, embora o ECA tenha estabelecido que a responsabilidade pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes seja tanto do estado quanto da família e da sociedade, o que vemos ainda hoje é que a cobrança está muito mais direcionada à família, estado e sociedade pouco têm sido chamados a olhar pela proteção dos mais jovens.

Adoção: A conta que não fecha
Eunice falou sobre as inúmeras propostas para agilizar os processos de adoção e a conta que não fecha já que muita gente quer adotar, mas a maioria das crianças não é adotada. Por quê? Para a professora a resposta é simples. A maioria dos pretendentes à adoção querem crianças pequenas, brancas, sem problemas de saúde e sem irmãos, o que difere muito da realidade das crianças que esperam por uma chance de viver em família.

O que se percebe atualmente é uma crescente pressão para destituir o poder familiar de famílias pobres para que seus filhos possam ser colocados para adoção por famílias mais abastadas. “Quem são estas famílias que sofrem esta pressão? São pessoas invisíveis. Ouvimos falar das crianças acolhidas, mas não ouvimos falar da situação de suas famílias”, expôs Eunice. Pesquisas realizadas sobre os processos judiciais de destituição do poder familiar na cidade de São Paulo dão conta que “estes pais e mães quase sempre não possuem qualquer perspectiva de vida digna, estão sem vínculos de proteção (social e familiar). São totalmente invisíveis. Muitos sequer foram localizados para entrevistas, defesas e audiências. São ‘descartáveis’ para a sociedade”.

Neste contexto da realidade brasileira a adoção surge como uma “salvação” para as crianças oriundas destas famílias. O Brasil prioriza o imaginário da preocupação com as crianças do que as políticas públicas de atendimento às famílias que possibilitariam a convivência familiar e comunitária destas crianças junto à sua família de origem.

O simbolismo da roda dos expostos permanece
Rita, que há mais de 20 anos atua no Judiciário paulista e que trabalhou a temática durante seu mestrado e doutorado também percebeu desde cedo que embora a pobreza por si só não possa justificar o abrigamento de crianças e adolescentes, é a violação de direitos básicos, em geral por parte do poder público, o principal motivo de crianças e famílias pobres ingressarem de alguma forma no Sistema de Justiça.

A história brasileira mostra que desde sempre se priorizou o afastamento de crianças pobres de suas famílias de origem. A assistente social Aldaiza Sposati disse certa vez que a protoforma dos abrigos se deu já na colonização, com os muchachos, onde as crianças indígenas eram catequizadas. “A partir daí já temos um modelo de ruptura do convívio com a família”, expôs Rita.

Crianças criadas por outras famílias sempre fizeram parte da realidade brasileira e isso aparece com força em algumas legislações, como por exemplo, o Código de Menores de 1927.

Para Rita o paradigma da roda dos expostos é ainda muito forte na história da atenção à criança brasileira. O simbolismo daquele mecanismo parece persistir ainda nos dias atuais: coloca a criança, vira a roda e fica para o lado de fora toda a história da sua entrega e desta realidade social que motivou esta entrega. Este paradigma permanece na legislação atual que prioriza a agilização da destituição do poder familiar e do processo de adoção em detrimento da atenção às famílias para que elas possam permanecer com suas crianças.

Realidade desconhecida
Outra percepção que a assistente social compartilhou com os ouvintes foi a de que, embora a institucionalização destas crianças tenha sido priorizada como forma de atenção, sua realidade é ainda desconhecida. Os dados desta realidade ficaram ocultos até meados dos anos 2000. “Não se sabia o que era um abrigo. Até hoje, para que as pessoas entendam de fato, precisamos utilizar a palavra ‘orfanato’”, alegou Rita.

No ano de 2003, duas importantes pesquisas iniciaram um processo de trazer luz à esta realidade. A primeira, em âmbito nacional, foi realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e mostrou que cerca de 20 mil crianças e adolescentes encontravam-se em abrigos. Destes, 58,5% eram meninos e 63,6% eram afrodescendentes. A maioria (86,7%) possuíam família, sendo que 58,2% mantinham vínculos com estas famílias. A segunda pesquisa foi coordenada pelo Núcleo da Criança e do Adolescente da PUC-SP (NCA) e foi realizada na cidade de São Paulo. Os número revelaram que 4.887 crianças e adolescentes estavam institucionalizados, 57% eram meninos, 52% de afrodescendentes, 74% tinham entre 7 e 18 anos, 67% possuíam família. Apenas 10% dos pais daquelas crianças tinham perdido o poder familiar e destes, 84% tinham entre 8 e 19 anos.

Embora estas pesquisas tenham apresentado dados muito relevantes, elas pareciam não fazer eco na sociedade brasileira. As pessoas parecem não querer ouvir e mantém-se distante destes dados, como se eles não tivessem o significado importante que têm. Para Rita, o que a sociedade não percebe é que “a adoção é solução para a minoria destas crianças, não é realidade para a maioria”. Por isso, de tempos em tempos novas propostas de leis são apresentadas com o mesmo intuito de “acelerar o processo de adoção no Brasil”. Foi o caso do PL 1756/2003, que depois de ampla resistência foi barrado e seu substitutivo acabou priorizando o Plano Nacional de Convivência Familiar. É este o caso das atuais propostas do Estatuto da Adoção e do Projeto de Lei 223/2017, de autoria do senador Aécio Neves, além de diversos outros projetos que tramitam no Congresso Nacional.


 





sexta-feira, 3 de novembro de 2017

AASP Brasil participa do I Congresso Multidisciplinar de Mato Grosso

Assistente social do nosso Conselho de Especialistas falou sobre atuação no sociojurídico e depoimento especial de crianças e adolescentes

Entre os dias 25 e 27 de outubro ocorreu, em Cuiabá, o Primeiro Congresso Interdisciplinar do Judiciário de Mato Grosso. Este importante evento foi idealizado em comemoração aos 15 anos de atuação do Núcleo Psicossocial – NUPS – do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – Jecrim – e teve por objetivo promover o diálogo e debater perspectivas da atuação multidisciplinar no Judiciário. 

A AASP Brasil marcou presença neste importante espaço, representada pela secretária geral, Maíla Rezende Vilela, pela segunda tesoureira, Fátima Zanoni Mastelini e por Elisabete Borgianni, membro do Conselho de Especialistas.

Importantes temas do universo jurídico foram abordados durante as diversas palestras e mini cursos: “Saúde mental/drogas”, “violência sexual e doméstica”, Elaboração de Documentos na área Jurídica – Laudos, Relatórios e Pareceres”, “Justiça Restaurativa e Círculos de Construção de Paz”, “Família e sucessões”, entre outros. 

“Este congresso será histórico e mostra a sensibilidade do Judiciário de Mato Grosso, nesta gestão, de perceber que algo precisa ser feito”, disse Elisabete em entrevista para a TV Jus do TJ-MT (confira aqui).

Nossa especialista foi convidada para a palestra magna do evento com o tema A atuação do assistente social e psicólogo no campo jurídico - Dilemas e desafios”. Abordou as determinações da crise econômica e política que assola o país e que só agravam a permanente desigualdade social do Brasil. Apontou que essa desigualdade não é um defeito do capitalismo que aqui se desenvolveu, mas um resultado do modelo de organização da produção e distribuição dos frutos do trabalho, portanto sendo necessárias transformações profundas em nossa sociedade. Mostrou também que um país que tem esse grau de desigualdade não pode ser um país efetivamente democrático e a tendência nefasta de judicializar-se todas as expressões da questão social e de criminalização dos pobres, com os encarceramentos em massa, as internações de adolescentes, os processos de destituição do pátrio poder de mães usuárias de crack etc. Referiu com ênfase que o Poder Judiciário tem um papel muito importante na reversão dessas tendências criminalizantes, mas que ele precisa contar com profissionais que acumulam saberes; além do saber jurídico que já têm os magistrados, precisa do saber e da experiência de assistentes sociais e psicólogos, que são os profissionais que vão subsidiar os magistrados em suas decisões em casos extremamente complexos. Reafirmou a importância do Poder Judiciário de Mato Grosso criar os cargos para que deixe de operar com profissionais apenas credenciados, alternativa que não protege o trabalho desses profissionais e tampouco traz o acúmulo de conhecimentos que o Tribunal precisa desenvolver.

Elisabete também participou da mesa de debates que tratou da temática sobre o depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que ocorreu na manha do dia 26. A palestra “Infância e Juventude – Depoimento Especial: Proteção ou (Re)Vitimização?” tratou do assunto, que tem ganhado destaque no país nos últimos anos, especialmente após a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei 13.431/17, que entra em vigor em abril de 2018. Além da assistente social, também participou da mesa o juiz da Segunda Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira. Ele explicou o que é e como deve ser feito o depoimento especial, os profissionais que participam do mesmo e a sistemática abordada durante o depoimento. Dentro desse contexto está também a equipe multidisciplinar que atende as crianças e adolescente, como psicólogos e assistentes sociais. Na avaliação do magistrado a participação desses profissionais é fundamental. “Eles são os maiores responsáveis, pois vão trabalhar com essas crianças e são eles que vão conseguir muitas vezes extrair delas a verdade do que aconteceu para depois o juiz julgar”, acrescentou. Elisabete trouxe aos presentes uma análise crítica e profunda da lei que acabou de ser aprovada, mostrando a todos, com detalhes, os riscos de se fazer prova contra alguém usando a palavra de uma criança e também o quanto isso é um abuso dos direitos da criança, quando ela for obrigada a comparecer ao Juízo coercitivamente para ser inquirida, assim como poderão ocorrer muitos abusos às prerrogativas de profissionais que serão chamados a atuar nessas inquirições. Mostrou toda a luta de mais de dez anos que entidades representativas de assistentes sociais e psicólogos, bem como especialistas e militantes dos direitos das crianças tiveram ao longo dos últimos anos para que uma lei dessas não fosse aprovada no Brasil—com idas ao Congresso Nacional, Secretaria de Direitos Humanos, CNJ etc--, mas infelizmente por interesses e insensibilidade de deputados e por lobbies poderosos a lei acabou passando. Agora os Conselhos Profissionais e a AASP Brasil continuarão os esforços para que não ocorram as graves violações do direito da criança e dos profissionais que a Lei pode provocar.

 

Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MT