No último dia 20 de outubro a
AASP Brasil acompanhou mais uma Atividade Programada “o Serviço Social na área sociojurídica”,
organizado pelo Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. O tema deste encontro foi “Avanços
conservadores em proposições, marcos legais e práticas judiciais: afetando a
proteção de direitos de crianças , adolescentes e famílias?” e as palestrantes
foram a assistente social aposentada do TJ-SP e coordenadora da ATP, Eunice
Fávero e pela assistente social judiciária Rita de Cássia Oliveira.
Acompanharam o encontro nossa vice-presidente, Cintia Silva e alguns
associados.
“Pensamos
neste tema por conta da conjuntura que estamos vivendo de tantos retrocessos.
Existem inúmeros projetos, inúmeras novas legislações que têm prejudicado
diretamente crianças e adolescentes e famílias da população pobre”, expôs
Eunice. A professora falou sobre a importância do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), instituído na década de 90, e que coloca a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos, uma visão diferente do que havia
anteriormente em termos de legislação. “São direitos que se aplicam a todas as
crianças independente da condição social”. No entanto, embora o ECA tenha
estabelecido que a responsabilidade pela garantia dos direitos de crianças e
adolescentes seja tanto do estado quanto da família e da sociedade, o que vemos
ainda hoje é que a cobrança está muito mais direcionada à família, estado e
sociedade pouco têm sido chamados a olhar pela proteção dos mais jovens.
Adoção: A conta que
não fecha
Eunice
falou sobre as inúmeras propostas para agilizar os processos de adoção e a
conta que não fecha já que muita gente quer adotar, mas a maioria das crianças
não é adotada. Por quê? Para a professora a resposta é simples. A maioria dos
pretendentes à adoção querem crianças pequenas, brancas, sem problemas de saúde
e sem irmãos, o que difere muito da realidade das crianças que esperam por uma
chance de viver em família.
O
que se percebe atualmente é uma crescente pressão para destituir o poder
familiar de famílias pobres para que seus filhos possam ser colocados para
adoção por famílias mais abastadas. “Quem são estas famílias que sofrem esta
pressão? São pessoas invisíveis. Ouvimos falar das crianças acolhidas, mas não
ouvimos falar da situação de suas famílias”, expôs Eunice. Pesquisas realizadas
sobre os processos judiciais de destituição do poder familiar na cidade de São
Paulo dão conta que “estes pais e mães quase sempre não possuem qualquer
perspectiva de vida digna, estão sem vínculos de proteção (social e familiar).
São totalmente invisíveis. Muitos sequer foram localizados para entrevistas,
defesas e audiências. São ‘descartáveis’ para a sociedade”.
Neste
contexto da realidade brasileira a adoção surge como uma “salvação” para as
crianças oriundas destas famílias. O Brasil prioriza o imaginário da
preocupação com as crianças do que as políticas públicas de atendimento às
famílias que possibilitariam a convivência familiar e comunitária destas
crianças junto à sua família de origem.
O simbolismo da roda
dos expostos permanece
Rita,
que há mais de 20 anos atua no Judiciário paulista e que trabalhou a temática
durante seu mestrado e doutorado também percebeu desde cedo que embora a
pobreza por si só não possa justificar o abrigamento de crianças e
adolescentes, é a violação de direitos básicos, em geral por parte do poder
público, o principal motivo de crianças e famílias pobres ingressarem de alguma
forma no Sistema de Justiça.
A história brasileira
mostra que desde sempre se priorizou o afastamento de crianças pobres de suas
famílias de origem. A assistente social Aldaiza Sposati disse certa vez que a
protoforma dos abrigos se deu já na colonização, com os muchachos, onde as
crianças indígenas eram catequizadas. “A partir daí já temos um modelo de
ruptura do convívio com a família”, expôs Rita.
Crianças
criadas por outras famílias sempre fizeram parte da realidade brasileira e isso
aparece com força em algumas legislações, como por exemplo, o Código de Menores
de 1927.
Para
Rita o paradigma da roda dos expostos é ainda muito forte na história da
atenção à criança brasileira. O simbolismo daquele mecanismo parece persistir
ainda nos dias atuais: coloca a criança, vira a roda e fica para o lado de fora
toda a história da sua entrega e desta realidade social que motivou esta
entrega. Este paradigma permanece na legislação atual que prioriza a agilização
da destituição do poder familiar e do processo de adoção em detrimento da
atenção às famílias para que elas possam permanecer com suas crianças.
Realidade
desconhecida
Outra
percepção que a assistente social compartilhou com os ouvintes foi a de que,
embora a institucionalização destas crianças tenha sido priorizada como forma
de atenção, sua realidade é ainda desconhecida. Os dados desta realidade
ficaram ocultos até meados dos anos 2000. “Não se sabia o que era um abrigo.
Até hoje, para que as pessoas entendam de fato, precisamos utilizar a palavra
‘orfanato’”, alegou Rita.
No
ano de 2003, duas importantes pesquisas iniciaram um processo de trazer luz à
esta realidade. A primeira, em âmbito nacional, foi realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
mostrou que cerca de 20 mil crianças e adolescentes encontravam-se em abrigos.
Destes, 58,5% eram meninos e 63,6% eram afrodescendentes. A maioria (86,7%)
possuíam família, sendo que 58,2% mantinham vínculos com estas famílias. A
segunda pesquisa foi coordenada pelo Núcleo da Criança e do Adolescente da
PUC-SP (NCA) e foi realizada na cidade de São Paulo. Os número revelaram que
4.887 crianças e adolescentes estavam institucionalizados, 57% eram meninos,
52% de afrodescendentes, 74% tinham entre 7 e 18 anos, 67% possuíam família.
Apenas 10% dos pais daquelas crianças tinham perdido o poder familiar e destes,
84% tinham entre 8 e 19 anos.
Embora estas
pesquisas tenham apresentado dados muito relevantes, elas pareciam não fazer
eco na sociedade brasileira. As pessoas parecem não querer ouvir e mantém-se
distante destes dados, como se eles não tivessem o significado importante que
têm. Para Rita, o que a sociedade não percebe é que “a adoção é solução para a
minoria destas crianças, não é realidade para a maioria”. Por isso, de tempos
em tempos novas propostas de leis são apresentadas com o mesmo intuito de
“acelerar o processo de adoção no Brasil”. Foi o caso do PL 1756/2003, que
depois de ampla resistência foi barrado e seu substitutivo acabou priorizando o
Plano Nacional de Convivência Familiar. É este o caso das atuais propostas do
Estatuto da Adoção e do Projeto de Lei 223/2017, de autoria do senador Aécio
Neves, além de diversos outros projetos que tramitam no Congresso Nacional.
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