terça-feira, 14 de novembro de 2017

Psicologia em Foco: Depoimento especial - Um impasse entre a escuta psicológica e a inquirição

Especialistas falaram sobre histórico da metodologia, a luta de resistência e as contradições presentes na aplicação da Lei 13.341/17



No último dia 8 de novembro o Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG) realizou o evento “Psicologia em Foco: Depoimento especial - Um impasse entre a escuta psicológica e a inquirição” e convidou para participar da mesa de debates a psicóloga Esther Arantes e a assistente social judiciária aposentada Elisabete Borgianni, membro do Conselho de Especialistas da AASP Brasil. Nossa presidente, Ana Cláudia Junqueira Burd, foi a mediadora dos debates.

Elisabete falou sobre o funcionamento do Depoimento Especial nos fóruns. “Surgiu com uma defesa de tese no Rio Grande do Sul, em 2001 e de repente isso se tornou uma política pública, disseminou-se pelo Brasil e agora virou lei”, apontou. O Depoimento Especial é um momento de colheita de prova, tanto é que ocorre na Vara Criminal e não na Vara da Infância e Juventude. Para a profissional, há um grande desafio que precisa ser pensado nesta situação. A Convenção dos Direitos da Infância e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantem a proteção para que a criança não seja exposta a nenhuma situação de constrangimento e de violência. Por outro lado, há também, no Direito Penal, o direito ao contraditório do réu, que precisa ser garantido. Como o Depoimento Especial é um momento de colheita de prova, o réu precisa estar presente. “Em um momento de colheita de prova não existe sigilo, não é como nos nossos estudos, que depois integram o processo, é uma colheita de provas, então o réu tem o direito de assistir”, disse. Como existe esta contradição, a saída que acharam foi a de usar assistentes sociais e psicólogos como interpretes do juiz nas salas de Depoimento Especial. Essa saída criada, é uma saída criminalizante, que foi criada com o objetivo único de responsabilização criminal e não para proteção da criança. “Nós sabemos que em 90% dos casos o abuso sexual ocorre dentro da família ou em círculos de convivência próximos. Veja que situação é uma criança fazer uma prova contra alguém das relações próxima a ela”, analisou. 

Para Elisabete, esta metodologia é uma colonização do Serviço Social e da Psicologia pela área do Direito. Ela defendeu que não é papel do assistente social e do psicólogo inquirir pessoas para extração da verdade. “Nos deixem fazer nossos estudos sociais, nossas avaliações psicológicas, que são mais protetivos da criança. Nos deixem trabalhar com os nossos métodos, ninguém tem que nos dizer o que fazer ou filmar o que estamos fazendo com a criança. Onde fica a autonomia do profissional se tudo está sendo filmado?”, avaliou.
Para Esther, estamos enfrentando “uma briga de cachorro grande, pois as forças que se colocam neste debate têm interesses já muito sedimentados. Se nós não nos unirmos, não vamos dar conta”, expôs. A psicóloga explicou que a Lei 13.341/17 foi aprovada às pressas e sem o devido debate. Ocorreu em um período de comoção por conta de um estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro à época. “Não se pode aproveitar uma situação de calamidade pública para se votar uma lei que vai mudar a vida de todas as crianças e adolescentes no Brasil. Isso é oportunismo”, alegou. “A questão aqui não é quem quer proteger a criança e quem não quer proteger. Partimos do pressuposto de que todos nós queremos proteger os direitos humanos de crianças e adolescentes.  A questão é o próprio sentido do que é proteger a criança”, acredita a especialista.

Por fim, Esther aponta para a necessidade de se compreender que escutar e inquirir são dois conceitos diferentes e que a criança não pode ser responsabilizada pelo ônus da prova.

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