terça-feira, 28 de novembro de 2017

O exercício profissional no Judiciário: Reprodução do controle ou espaço de garantia de direitos?

AASP Brasil acompanha última ATP do Sociojurídico organizada pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC-SP



“O exercício profissional no Judiciário: produção e reprodução do controle e da subalternização dos usuários ou espaço para desvelamento da realidade social com a finalidade de conquistar e assegurar direitos?” este foi o tema da última Atividade Programada do Sociojurídico, organizada pelo Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no dia 24 de novembro.

Para falar sobre a atuação do assistente social no Sistema de Justiça, a atividade contou com as palestrantes Eunice Fávero, assistente social judiciária aposentada do TJ-SP e coordenadora da ATP Sociojurídico, Cíntia Aparecida da Silva, assistente social do Ministério Público de São Paulo e vice-presidente da AASP Brasil e Luiza Aparecida de Barros, assistente social da Defensoria Pública de São Paulo.

A principal questão do dia foi: o assistente social atua como um reprodutor do controle do estado aos usuários ou trabalha pela garantia dos direitos da população? Cada uma das convidadas falou da perspectiva de seus espaços de trabalho.

O Serviço Social no Tribunal de Justiça

Eunice trouxe um histórico da atuação dos assistentes sociais no TJ paulista. A inserção dos profissionais neste espaço iniciou-se em 1949 com o Serviço de Colocação Familiar junto ao Juízo de Menores, na capital do Estado. Na década de 1950 teve início o Serviço Social de gabinete com a finalidade de subsidiar a ação judicial. Naquela época, os profissionais atuavam, de forma geral, com um viés positivista, do doutrinarismo social da Igreja Católica e na metodologia de casos individuais de origem norte-americana. “Podemos não concordar com aquela visão de mundo, mas é preciso dizer que havia uma grande preocupação com a qualidade do trabalho, dentro da perspectiva do Código de Ética daquela época”, explica a professora. 

De lá pra cá o grande dilema do Serviço Social judiciário tem sido como subsidiar as decisões do magistrado, qual a responsabilidade dos profissionais nas vidas das pessoas? “O Poder Judiciário atua com a finalidade de dirimir conflitos e o faz de acordo com a lei. Na sociedade brasileira, a lei é essencialmente positivista, ou seja, de forma genérica, estabelece formalmente a igualdade entre os cidadãos, mesmo operando com desigualdades”, expõe.  “É aí que encontramos os dilemas da nossa ação. Como subsidiar decisões, baseadas em uma legislação com viés positivista e operando com desigualdades?”, questiona.

“É possível estabelecer estratégias rumo à emancipação social em um espaço extremamente autoritário e hierarquizado como propõe nosso projeto profissional atualmente”, propõe a professora para reflexão de todos.

O Judiciário, enquanto um dos Poderes que integra o Estado, reflete o sistema de subalternidade presente na sociedade capitalista, extremamente desigual. A Justiça controla, individualmente, comportamentos, atitudes e ações dos indivíduos ou famílias, entre eles, aqueles que encontram-se espoliados de direitos e de uma vida digna, expressos em conflitos sociofamiliares.

O Estado, por meio de seu aparato, exerce seu poder de controle social baseado no consenso classista e de privilégios do capitalismo. Interfere nos conflitos sociais implementando políticas para “manter a ordem”, difundindo a ideologia dominante e interferindo no cotidiano das pessoas, reforçando “normas de comportamento legitimados socialmente”.

É neste contexto que o Serviço Social judiciário opera e encontra seus desafios: Como avançar na ação profissional sem ser uma voz reprodutora do controle social estabelecido? Como não ser um instrumento para culpabilizar ou criminalizar sujeitos ou grupos subalternos nesta conjuntura social? Como não incorporar o discurso conservador da instituição e punir os sujeitos e famílias que não se enquadram nos modelos preconizados pela sociedade?

Para Eunice, o assistente social deve buscar sempre compreender e trabalhar dentro das perspectivas dos direitos humanos. O profissional tem que apropriar-se dos princípios éticos da justiça social e dos direitos, buscando a emancipação humana, buscando a equidade social, buscando a universalidade do acesso a bens e serviços que garantam a dignidade do ser humano.

O Serviço Social no Ministério Público
Cíntia iniciou sua fala desmistificando a imagem do Ministério Público. “Temos uma imagem de uma instituição muito potente, mas a realidade é bem diferente, esta é uma imagem falaciosa e que tem por base a forma como o Direito se projeta na sociedade”, afirma.

Pela Constituição Federal de 1988 a definição do MP é a de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Para a especialista, no entanto, precisamos pensar sobre o lugar do Direito e do Ministério Público hoje e o cenário político posto atualmente. A noção de um agente acima das classes e garantidor do bem-estar coletivo é um dos elementos de construção da imagem falaciosa de que o Direito projeta suas instituições, sendo uma delas, o MP, e este estaria imune às pressões político-econômicas existentes na sociedade. Entretanto, na realidade da prática e com base nos estudos de Antônio Gramsci o Ministério Público acaba integrando a dimensão coercitiva do Estado e apresenta as principais características que definem as instituições do Sistema de Justiça: uma estrutura organizacional fortemente hierarquizada permeada por ações de cunho autoritário, realizadas tanto pelos operadores do Direito como por outros profissionais, inclusive os assistentes sociais e que refletem a formação socioeconômica brasileira.

Cintia lembra que apesar de se constituir como autônomo e pela Constituição, não se subordinar a nenhum dos três Poderes, o MP precisa manter boas relações com as instituições que os representam, tal premissa foi especialmente relatada em entrevista por um dos sujeitos de sua pesquisa de doutorado, o procurador de justiça aposentado Dr. Hugo Nigro Mazzilli, pois o MP necessita de orçamento, então precisa estar bem com o Executivo e precisa estar bem com o Legislativo para aprovar seus projetos. “Mais do que estar bem temos hoje estudos, como o apresentado na tese de Luciana Zaffallon que mostram que há uma relação forte entre o MP e as demais instituições do Sistema de Justiça com estes Poderes”, alega. “O governo do Estado de São Paulo pode ser destituído por duas formas: pelo Legislativo ou pelo Sistema de Justiça. O Legislativo é hoje todo base de apoio do governo estadual e quem tem a atribuição de contestar a atuação do governo do Estado é a pessoa que é indicada pelo próprio governador”, completa.

Outra imagem falaciosa posta na forma como o Direito se projeta e isto pode ser evidenciado nas instituições do Sistema de Justiça, entre elas o Ministério Público é a ideia de que as resoluções das situações das vidas das pessoas se dariam apenas pelo respeito à normativa. “O grande desafio do assistente social nesta área é entender que o trabalho dele deve perpassar a legislação e ultrapassá-la”, acredita.

Um cuidado importante que o profissional do Serviço Social deve ter é com o conhecimento das principais demandas da instituição, pois a área criminal, a da persecução penal é a essência do MP. Mas o Serviço Social brasileiro ainda tem dificuldades de atuar nessa área e isto não foge ao Serviço Social no Ministério Público. Não se pode ignorar esta essência institucional de trabalhar com o inquérito e a persecução. “O Serviço Social precisa avançar e olhar para este espaço, pois se tem violado muito os direitos das pessoas”, reflete Cíntia. “Temos pautado muito nossa atuação no depois. Não poderíamos fazer a diferença se atuássemos antes, se atuássemos conjuntamente, se estivéssemos ao lado do promotor debatendo? Precisamos ocupar estes espaços para tentar mudar a realidade como ela está posta”.

A Constituição Federal de 1988 representou uma grande mudança de paradigma. A carta cidadã atribuiu novas oportunidades de ações políticas ao MP, impulsionando a normatização de outros direitos difusos e coletivos. Tanto é que a maioria das leis criadas após 1988, reservam funções ao Ministério Público. Este alargamento das funções aliado ao fato de que faltava aos promotores a formação social adequada para lidar com as demandas postas pela sociedade, que possibilitaram a inserção de outras profissões no MP, entre elas, o Serviço Social. Foi especialmente nos anos 2000 que se ampliou a atuação dos assistentes sociais na instituição.

Para Cíntia, a principal questão para o Serviço Social hoje no Ministério Público é qual a direção deve ser tomada pela profissão: continuar atuando apenas na área dos direitos difusos e coletivos? Ocupar também o espaço dos casos individuais? E outra questão que também está em debate: atuar somente no cível ou também no criminal?

O Serviço Social na Defensoria Pública
“Quando nós discutimos a área sociojurídica, principalmente para nós do Serviço Social, a primeira questão que nos pega é que precisamos ter o olhar da crítica ao Direito”. Foi assim que Luiza iniciou sua fala. Ela defende que os profissionais devem buscar uma identidade profissional que faça enfrentamento ao de não se submeter como uma função auxiliar para a manutenção das formas jurídicas existentes. “Se não fizermos esta crítica, não vamos perpassar a lei como estamos discutindo aqui hoje, mas vamos apenas receber a demanda que nos é imposta sem olhar devidamente para os direitos das pessoas”, diz.

Dentro de uma sociedade capitalista como a nossa, o Direito se insere como mercadoria, as relações capitalistas determinam as formas de organização do Direito. Então, nesta sociedade não é possível haver Direito progressista, o que temos são pessoas progressistas tentando construir formas de garantia de direitos.

Luiza traz aos presentes a questão da judicialização da vida. O Poder Judiciário assume a responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social. “Como podemos pensar que podemos ter resultados realmente justos se transferimos para o Judiciário a decisão daquilo que é o nosso direito?”, questiona. Três questões vão perpassar o dia a dia na Defensoria Pública: A judicialização das políticas sociais como possibilidade de maior alcance democrático de direitos; a judicialização como retirada da esfera pública à participação democrática e a particularidade da sociedade brasileira na questão social que é a criminalização dos pobres.

O acesso à justiça pelo recurso ao Judiciário é uma possibilidade, mas não uma garantia. De um lado, temos um Judiciário cada vez mais acessado para garantir os direitos e de outro, temos uma gestão política que continua a destituir estes direitos. Esta relação de forças não pode passar desapercebida. “Compreender qualquer questão sem o elemento da contradição, falar de judicialização sem apontar também o aspecto perverso que é a criminalização da vida de determinados sujeitos, é furtar-se do elemento de análise que considera a história como movimento concreto de realidade”, aponta a especialista.

Para Luiza, no Judiciário ainda os sujeitos são alvos de políticas que mais punem do que garantem proteção social. O encarceramento e o acolhimento institucional de crianças e adolescentes são, por exemplo, duas expressões desta realidade escancarada no sociojurídico. “Nesse conjunto complexo, é tarefa desafiadora do cotidiano profissional na área sociojurídica trazer à tona o sujeito em suas relações sociais dotado de potencialidade e pertencimento, mesmo que não reconhecido por aqueles que o julgam”, expõe. 

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